Mil novecentos e sessenta e seis foi o grande ano da musica popular brasileira. Dois compositores, 1966: O ANO DOS ÍDOLOS JOVENS1966: O ANO DOS ÍDOLOS JOVENS, estouraram nas paradas de sucesso, enquanto no setor iê-iê, Ronnie Von lançava as bases para se tornar, em futuro próximo, um novo rei. Enquanto iam surgindo os ídolos através da televisão (Carlos Alberto e Ioná Magalhães na telenovela; Guto, um fenômeno infantil), do radio, dos discos e dos festivais, o esporte nacional se recuperava da derrota em campos da Inglaterra. Surgia Tostão no futebol, a dupla Mandarino-Koch no tênis, Norman Casari no automobilismo e Albenzio Barroso no turfe. No exterior, a jovem atriz e modelo Duda Cavalcanti ganhou o estrelato num abrir e fechar de olhos. O ano se encerra, assim, com um saldo positivo, e promete uma arrancada maior ainda para 1967.
FEDERICO ALDAMA ÍDOLO NÚMERO 1
A TELEVISÃO TORNOU-SE uma verdadeira fábrica de mitos, criando ídolos do dia para a noite, através das telenovelas. E assim como no ano anterior apareceu o Doutor Albertinho Limonta, vivido pelo ator Amílton Fernandes, 1966 seria o ano mais disputado, dramatizado e cheio de homens fortes, nobres e de cara quase sempre agradável às mulheres. O mito mais rigoroso e mais comentado foi o de Federico Aldama, vivido por um ator tímido e correto, um tanto ao contrario do personagem. Carlos Alberto de Souza, ex-professor de línguas nos Estados Unidos e funcionário público no Rio, viu-se, de repente, envolvido num êxito com o qual jamais contara, nem mesmo à época em que se entregava a representações mais sérias, no cinema ou no teatro. E se a novela Eu Compro Essa Mulher não repetiu o êxito de O Direito de Nascer, foi um dos assuntos mais discutidos do ano, fruto publicitário de poderosa organização de televisão, rádio e jornal. Mas outros buscaram também a popularidade de Federico Aldama, como o Sheik de Agadir (vivido por Henrique Martins) , ou O Rei dos Ciganos (interpretado por Carlos Alberto). Assim, o grande mito da televisão, na realidade, é o personagem Federico Aldama, e não o ator, o que se prova agora, quando Carlos Alberto não repete, nem na tevê nem no teatro, o êxito antigo. O mesmo pode-se dizer de Ioná Magalhães, uma bela mulher, alta, morena, magra e de uma voz profunda e cativante, agora muito em evidencia no teatro e na televisão.
TOSTÃO VALE 400 MILHÕES
Quando emissários do Santos foram a Belo Horizonte propor a compra do jogador Eduardo Gonçalves Andrade, ninguém do Cruzeiro soube informar alguma coisa. Mas quando se esclareceu que o jogador visado também era conhecido como Tostão, o presidente do clube deu uma resposta que foi man- chete nos jornais: “Só admitimos uma hipótese - trocar Tostão por Pelé, pau a pau”. Na verdade, a convocação do jogador mineiro ao selecionado que iria disputar o mundial de futebol teria sido apenas uma homenagem, um tanto tímida, ao futebol fora eixo Rio - São Paulo. Mas o jogador saiu-se bem durante os treinos preliminares, foi sobrevivendo aos cortes progressivos e acabou embarcando para Londres. Se o Brasil não fez boa figura, o mesmo não se pode dizer do jovem jogador, que tem apenas 20 anos. Eis a descrição de sua chegada a Belo Horizonte, após o retorno do selecionado, segundo um repórter: “Em meio a verdadeiro carnaval, que se iniciou no aeroporto de Pampulha e se estendeu à sede do Cruzeiro, Tostão foi recebido por milhares de pessoas, que o saudaram com foguetes, serpentinas, confetes, charangas e escola de samba”. Mas a historia de Tostão não para por ai. Nem do Cruzeiro, que mostrou-se um time de primeira. Tanto que hoje é o campeão da Taça Brasil. O passe de Tostão é cotado em mais de 400 milhões de cruzeiros. Em São Paulo outro mito surge: Toninho, o Queixada de Vila Belmiro, quebra a invencibilidade de Pelé, que foi durante nove anos o arti- lheiro paulista. Como, no Rio, Paulo Borges (Gazela Negra, devido à espantosa velocidade) sagra-se o artilheiro do campeonato cario- ca, jogando como striker, sem posição na linha, mas sempre com o mesmo objetivo, o gol, mais fácil para ele que para quase todos os demais. Seu time, o Bangu, é o campeão carioca de 1966.
NOVOS PAPOS DA MUSICA POPULAR APENAS DUAS MUSICAS bastariam para definir o ano de 1966 como excelente: A banda e Disparada. Ambas surgiram num mesmo festival. Projetaram dois compositores de muito valor - Chico Buarque de Holanda e Geraldo Vandré, que eram pouco conhecidos. E possibilitaram, ainda, a revelação de Jair Rodrigues - até então um cantor engraçado - como o melhor cantor do ano, e o ressurgimento de Nara Leão, que estava sendo levada ao desgaste desde o rompimento com a turma da bossa nova. Embora nascido no Rio, Chico foi levado em criança para São Paulo, tendo recebido uma formação essencialmente urbana, mas pela qual não se deixou dominar. Exemplo disso é a universidade de suas musicas. Já com oito anos experimentava compro morinhas de carnaval. Admirado de João Gilberto, dele recebeu grande apoio, principalmente pela aproximação da irmã, Heloísa, hoje mulher do maior papa da bossa nova. Nos festivais de bossa nova, realizados no meio estudantil - notadamente na Mackenzie, onde Chico estudava Arquitetura -, começou a desenvolver uma pureza musical, projetada através do poema de João Cabral de Mello Neto (Morte e Vida Severina), si- multaneamente com musicas como Pedro Pedreiro, Olê, Olê, Olá e Marcha por um Dia de Sol. Tem 22 anos e, depois de A Banda (vertida ate para o esperanto), já foi comparado a Noel Rosa e, inclusive, a Exupéry (D. Marcos Barbosa afirma que A Banda é o lírico e ingênuo amor de O Pequeno Príncipe, em música). Vandré, um paraibano de 31 anos, é campeoníssimo de festivais. Com Porta-Estandarte ganhou um berimbau de ouro; com Disparada, uma viola de ouro; com O Cavaleiro, um pequeno galo, também de ouro. Fez a letra de Disparada (a musica é de Theo, outro valor jovem) em apenas uma hora, mas considera-a o amadurecimento demorado de uma ideia central, colhida no folclore de sua terra. Com ele apareceu a cantora e também compositora Tuca.
A TRANSFORMAÇÃO DE RONNIE VON A DUPLA MAGALDI-MAIA, que criou e alimentou o mito Roberto Carlos, resolveu fazer um novo lançamento. Depois do sucesso fulminante de Brasa, que conseguiu empolgar toda uma geração de jovens, havia campo para lançar um novo ídolo, com estilo novo. Foi assim que a dupla descobriu um carioca que, em estilo iê-iê, cantava músicas barrocas. Mas precisava mudar muita coisa. Ronaldo Nogueira era estudante em curso de aeronáutica: de- sistiu. O pai, presidente de autarquia. Não procurou influir. Os olhos azuis, o rosto triste precisavam combinar com cabelos longos; não os cortou mais. Passou a assinar Ronnie Von, a esposa passou a ser “a irmã”. Com apenas 22 anos, um físico bom para cantou de iê-iê, Ronnie veio mostrar seu talento, constituindo-se na maior revelação musical no setor da musica jovem.
GUTO PÔS AÇÚCAR NO BOLO DO PAI COMENTA-SE, MALDOSAMENTE, que um diretor de tevê convidou Moacyr Franco para apresentar-se em seu canal, com o filho Guto. Mas como o garoto estava doente, não podendo comparecer, o diretor cancelou o convite. “Sem o Guto, não”, teria respondido. Mas Moacyr Franco não liga para isso. Disse, há pouco: “Guto começou por brincadeira e gostou. No momento que pensar em desistir, não impedirei”. Mas Guto não quer desistir. Ao contra- rio, sem querer passar por menino prodigioso ou genial, o garoto, de sete anos, diverte-se a valer no programa do pai. Rindo, falando ou tentando olhar sério. Guto não passa de uma criança simpática e viva, de quem todos gostam logo de inicio. Considerando-se que o horário do programa (20 horas) é dominado por crianças (estudos es- pecializados já provaram que são as crianças que escolhem a maioria dos programas que os pais veem), a dupla Moacyr Franco-Guto é, no momento, a que recebe maior audiência. Mas seu programa não é o único famoso. De São Paulo transmite-se para todo o país, em gravação, um programa feito com muito cuidado dirigido por Hebe Camargo, criando seria rivalidade para outros como Chacrinha (este é um fenômeno: há seis anos ocupa o primeiro lugar de audiência, às quartas-feiras) e Dercy Gonçalves. Mas isso não tira de Guto o mito de mais simpático apresentador de tevê, neste ano.
DUDA DE ARRASTÃO EM TODA A EUROPA DUDA CAVALCANTI RECEBE na Europa a con- sagração que toda artista brasileira deseja e não consegue: ocupar páginas e páginas de revistas e jornais na França, na Alemanha, na Itália. E, além disso, seu único filme - Arrastão, feito em Cabo Frio por Antonie D’Ormesson - continua inédito. Eis como um jornalista, Arnaldo di Crollalanza, a definiu: “Se 1965 marcou o lançamento de uma estrela mundialmente reconhecida, Úrsula Andress, 1966 o de Raquel Welch, que ameaça destronar Úrsula, em 1967 teremos Duda Cavalcanti, uma estrela muito perigosa para aquelas que pensam estar já estabelecidas”. Morena, de um corpo admirável, ela possui um olhar de uma mobilidade extraordinária, dominado por dois olhos castanhos cujas sombras refletem uma vida interior muito rica. Du- rante o Festival de Cannes, Duda foi entrevistada durante 20 minutos por Martine Carol, num programa de televisão de uma hora, dedicado ao vigésimo aniversario desse festival. Orson Welles fez questão de posar a seu lado. Duda chega a afirmar-se indecisa sobre qual dos muitos convites para filmas ela deve aceitar. Antes, para fotografá-la de biquíni bastava ir-se a Lagoa Rodrigo de Freitas, onde morava com os pais. Hoje, para ceder uma foto sua, as agências de noticias pedem quantias enormes. Tudo isso começou quando D’Ormesson foi buscá-la em São Paulo, onde era manequim, para atuar no filme feito de parceria com Vinicius de Moraes. A ex-garota do Castelinho é, no momento, a brasileira mais conhecida na Europa.
CARCARÁ VOOU PARA O RECORDE DESDE QUE A INDÚSTRIA automobilística implan- tou-se no Brasil, há dez anos, os corredores nacionais viam como realizável o sonho de, paralelamente, promover grandes corridas. E o primeiro autódromo de classe internacional foi construído em São Paulo, sede da infra-estrutura da nova indústria. Foi em Interlagos que se criou um mito nacional de corredor. Mas foi no Rio, onde um carro correu sozinho, que se demonstrou a primeira liderança sul-americana. A corrida foi em linha reta, o carro do Carcará, da Vemag, e o piloto recordista, com 213 km/h, foi Norman Casari, campeão carioca de 1966. Joje, membro ativo da equipe Malzoni (o homem que construiu as carroças do Onça, do Carcará, do Uirapuru, do Puma e de outros), Casari é, também, o recordista brasileiro de velocidade em motocicleta. Outros, no entanto, ocupam lugar de destaque entre os pilotos de prova e de corridas do Brasil. Piero Gancia, campeão brasileiro, Bird Clemente, Wilson Fitipaldi e Luiz Pereira Bueno desfilam numa galeria honrosa, num setor desportivo que, há 11 anos, nenhum brasileiro ousava pensar. E se o Brasil não possui ainda um Memorial Day Race (Indianápolis), e não participa dos calendários internacionais, vai crescendo a fama de competições como a Mil Milhas, a Vinte Horas de Interlagos.
BARROSO CORRE E PAGA SEMPRE O APOSTADOR QUE ACOMPANHOU este ano as corridas no hipódromo paulista não teve muita dificuldade para escolher o cavalo em que apostar. Era só saber em que animal iria montar o jóquei Albenzio Barroso, para ter uma boa chance de ganhar. Com efeito, Barroso liderou rodas as estatísticas desta tem- porada, assinalando mais de 130 vitórias e derrubando a marca de 118 vitórias, em poder do jóquei Pierre Vaz desde 1958. Com isso, o corredor carioca levantou quase 350 milhões de cruzeiros em prêmios e caminha rapidamente em direção à fortuna. É o mais procurado na Cidade Jardim (São Paulo) pelos proprietários, montando média de 15 cavalos por semana. Com 24 anos de idade, já sofreu inúmeras fraturas, pelo seu arrojo nas pistas. Teve um cavalo que foi decisivo para sua carreira: El Asteroide, com quem alcançou as vitórias que lhe valeram os primeiros sucessos da carreira, Superando nesta temporada até mesmo o grande Luiz Rigoni, Albenzio Barroso é a grande revelação dos hipódromos em 1966. Com o segundo lugar assegurado, Luiz Rigoni, jóquei catarinense que começou montando com cartaz do Paraná, conseguiu em 1952 o recorde de 182 vitó- rias numa temporada, o que continua inédito no Rio. E exatamente como Rigoni, o outro grande freio brasileiro, Antônio Ricardo, é catarinense. Já disputou uma prova nos Estados Unidos, montando o cavalo brasileiro Fólio, no Hipódromo de Laurel. Atualmente na Gávea (Rio), Ricardo não encontra dificuldade em conseguir boas montarias. Com Barroso e Rigoni, Ricardo forma a primeira linha do turfe brasileiro.
BONS NO TÊNIS SÃO OS GAÚCHOS A TAÇA DAVIS, desde sua criação em 1900, teve praticamente quatro “donos”. Idealizada por dois universitários de Harvard, para aproximar Estados Unidos e Inglaterra, apenas 12 vezes não foi disputada, nesses 66 anos. Mas as vitórias couberam sempre aos Estados Unidos e Inglaterra (30 vezes), Austrália (18 vezes) e França (6 vezes). Por isso, quando o Brasil classificou-se campeão da zona europeia (venceu seguidamente o Sul-Americano, a Dinamarca, a Espanha, a França e a Polônia), todos consideravam de os Estados Unidos (24 vezes finalistas, 19 vitórias) é que iriam enfrentar a Índia, campeã da zona asiática. Mas os americanos, e com eles toda a imprensa mundial, subestimaram uma dupla de gaúchos - Thomas Koch e Edson Mandarino. Numa sensacional reviravolta, a dupla brasileira encontrou-se para suprir as deficiências das indi- viduais, deixando o mundo inteiro surpreso. Embora não tenhamos sido felizes com a Índia, campeão da Taça em 1966, o torneio veio comprovar as qualidade de Thomas Koch (vice-campeão brasileiro de 1961 a 1965, o melhor juvenil de 1964, venceu 11 campeonatos neste ano e foi finalista em 27 e semifinalista em 11). Não tão hábil outro nas individuais, mas nas duplas. Edson Mandarino, 23 gaúcho (de Jaguarão), é campeoníssimo: vencedor do Infantil em Buenos Aires foi campeão Juvenil com 16 e 17 anos. Com Koch, é atualmente campeão sul-americano, americano, europeu e interzona Europa-América, além de vice-mundial.
(Pesquisas de Hedyl Valle Junior, José Lago, Paulo Galante e Jorge Aguiar).
* FATOS & FOTOS
Brasília, 31 de dezembro de 1966
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