Entra-se desde ontem, em Curitiba o ex-ministro Nelson Hungria, do Supremo Tribunal Federal, autor de diversos volumes de “Comentários ao Código Penal”, membro da comissão que elaborou o Código Penal vigente, e o mais famoso criminalista brasileiro. O velho causídico, ministro aposentado, veio ao que declarou “colher impressões”, sobre sua mais recente obra, o anteprojeto do novo Código Penal Brasileiro. Falando à reportagem sobre a pena de morte, mostrou-se frontalmente contra, dizendo ser “um vício, e não um corretivo” e que “o criminoso pensa em fugir, ou não pensa em nada, mas nunca numa pena futura de morte”. Mostrou-se também coerentemente contra o Tribunal Popular do Júri, que “condena quando a Imprensa manda, e absolve quando é Ludibriado pelo defensor”. Acha que o melhor sistema é o “Escabinado”, com três juizes togados (formados) e quatro juizes leigos homens do povo, usando com sucesso na França e Alemanha. Disse ainda que “foi um erro da Constituição o Tribunal do Júri, e só isto basta para reformá-la a Constituição, por não ser mais necessário”. Disse também que Ronaldo foi uma vítima da Imprensa, e sua condenação foi injusta, pois é uma vítima inocente. Declarou que “o Tribunal Popular produz escandalosas absolvições constatadas diariamente, e iníquas condenações extemporâneas e injustas.
PARTE GERAL
Falando sobre o seu anteprojeto (atualmente em poder do Ministério da Justiça, que vai colocá-lo em discussão por uma comissão presidida por Nelson Hungria para depois remeter ao Congresso Nacional), disse: “Meu anteprojeto não visa a uma reforma fundamental, mas apenas atualizar critérios, corrigir desacerto e suprir lacunas evidenciadas pela experiência. São pontos de relevo os que dizem, por exemplo, sobre a menoridade penal, a pena de multa, e uma classificação objetiva de criminosos para uma melhor individualização da Pena.
Pessoalmente continuo a entender que a menoridade penal deve ir até os 18 anos (no anteprojeto ela baixa para 16 anos, porém após testes psicotécnicos, que evidenciem o critério de discernimento no jovem menor de 18 e maior de 16 anos. “A necessidade de mais rigorosa repressão da delinqüência juvenil, foi inspirada no sensacionalismo, jornalístico, que difundiu a fábula de existir no Brasil até mesmo a “Juventude Transviada”, fenômeno que na realidade só existe em grande escala nos EUA e URSS em virtude de causas absolutamente alheias à vida social brasileira. Acontece, porém que se difundiu na opinião geral a necessidade de abaixar o limite de menoridade penal, e o legislador não pode desatender a opinião pública, salvo quando reclame um permanente interesse coletivo”.
PORTE ESPECIAL
Prossegue Nelson Hungria, explicando à reportagem os traços principais do anteprojeto: “A Pena de Multa, tal como é disciplinada na lei penal vigente, passou a ser uma sanção irrisória, dado o aviltamento da moela nacional. O critério do anteprojeto é o de estabelecer comunidade de pena pecuniária: o dia-multa, isto é, o ganho médio diário do indivíduo ou, quando não for possível estabelecê-lo será o salário mínimo da região. Os criminosos passarão a ser classificados na seguinte redação:
c) habituais; e d por tendência. No tocante as duas últimas categorias, isto é, do criminoso que faz do crime um meio de vida, ou do criminoso que revela excepcional perversidade ou crueldade, a pena privativa de liberdade poderá ser até de 40 anos. Trata-se de indivíduos dificilmente reassimiláveis; ou corrigíveis, de modo que a solução mais aconselhável é a de neutralizá-los por um longo período de tempo. Entre as causas de exclusão de culpabilidade, figura a “não exigibilidade de conduta diversa”, isto é, não pode ser punível a título de dolo ou de culpa, um indivíduo de que não se podia humanamente exigir conduta diversa da que teve (aqui o Ministro citou o exemplo da absolvição por ele, de um chofer que, indo socorrer um filho em perigo de vida, atropelou um transeunte. “Múltiplas são as alterações relativas à parte geral do Código Penal, mas não apresentam o relevo das mencionas aqui”.
Após a Parte Geral do anteprojeto, o Ministro referiu-se à Parte Especial: “No que respeita à parte especial, isto é, a parte em que se definem os crimes e se cominam as penas, há também modificações sensíveis. O crime do latrocínio (matar para roubar), “por exemplo, terá uma disciplinação diversa da do Código atual. Há todo um capítulo reservado ao Crime de Genocídio (morticínio de grupos humanos, por motivos religiosos étnicos e políticos). O Crime do Cheque sem Fundo, mesmo quando emitido como título de dívida. É criado o Crime denominado “Advocacia Marrom” (falsos profissionais). Há também o Crime denominado “Publicidade Opressiva”: noticiário sensacionalista em torno de crimes, com o intuito de perturbar a serenidade da Justiça (aqui Nélson Hungria cita o cato “Aida Curi”): “o júri do Estado da Guanabara com a mesma inconsciência com que absolvem culpados, condenou um inocente que é Ronaldo Guilherme de Castro, inteiramente alheio ao suposto homicídio da inditosa moça”, reiterando a expressão de “vítima” para Ronaldo, quando combatia o Tribunal Popular). “Em matéria de crime de automóvel, são criadas novas figuras criminais, todas elas dispensando um dano efetivo, isto é, bastando para sua configuração apenas uma situação de perigo: o crime de dirigir embriagado, o da fuga após acidente, o de omissão de socorro à vítima, e o de tal desobediência às regras do trânsito, que crie um perigo iminente”.
O famoso criminalista, após falar ontem a estudante e professores sobre o anteprojeto do Código Penal, retorna hoje à Guanabara.
Tribuna do Paraná. Curitiba, sexta-feira, 1º de novembro de 1963
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