O Hospital Miguel Couto, do Rio, é invadido por 20 PMs e o médico espancado: um policial morrera enquanto o plantonista dormia. Noutro pronto socorro há cidade, um médico recebe voz de prisão por se recusar a subir uma favela e socorrer um bandido: alegou que não tinha segurança pessoal pois o bandido podia atirar nele. Uma médica é enquadrada criminalmente por não poder receber uma parturiente, alegando falta de leito. Encaminha a paciente a outra maternidade. No caminho a criança nasce e morre. Três jovens encontram um homem caído, perto do Pinel (Hospital Psiquiátrico). Está só com o paletó do pijama. Levam- no ao Pinel: o enfermeiro não quer receber o doente. Discussão. Aparece um motorista de ambulância. Vem o médico de plantão: os 3 jovens são espancados, o doente recusado, a polícia tiros para o ar. Os muros da cidade aparecem cobertos por cartazes denunciando “crimes médicos”.
O PASQUIM, irreverente jornal da zona sul carioca, cria uma expressão: a “Máfia de branco”. O Jornal do Brasil critica a guerra dos laboratórios estrangeiros e planos médicos nacionais, com prejuízo para o doente. O médico Nelson Senise, respeitada autoridade, alerta para o fato de que as multinacionais de saúde estão proletarizando o médico brasileiro. O que houve com nossos médicos, antes tão respeitados? Devemos considerar três pontos. O primeiro é desmistificar a carreira médica; ela não é nenhum sacerdócio. É bem verdade que, pela importância do bem que lhes colocamos nas mãos - a vida humana - sua profissão exige comportamento, dedicação e desprendimento. O médico, , porém, é uma pessoa sobrecarregada, com fraquezas, cansaços e necessidades. Também é falível. E falhar não é um ato deliberado muito menos criminoso. Segundo, proliferam as faculdades de Medicina, com menor seleção de alunos e menos exigência do professor. O resultado são maus médicos, mas dentro da margem de erro que uma sociedade pode suportar. Hoje, a quantidade de médicos beira a fímbria que separa a segurança e o perigo. O excesso de médicos leva-os às superespecializações. Sendo superespecialistas, são caros e elitistas, têm menos clientes, lidam com equipamentos sofisticados e não podem clinicar no interior onde não teriam condições. Sendo caro um consultório particular, ele busca prestar serviços sob convênios, ganhando pouco e aceitando plantões de 24 horas corridas. Daí os atritos com a população: mal dormido, mal remunerado, correndo de um bico para outro com seus problemas pessoais, ele também está à beira de um colapso.
Finalmente, o jovem médico é inseguro. Tendo saído de uma faculdade onde pouco aprendeu, vai fortalecer seu diagnóstico com exames laboratoriais. Daí o enxame de exames, tornando a consulta médica cada vez mais onerada, elitista e inacessível. Estaria aí também uma das causas do rombo no orçamento da Previdência: o excesso de pedidos laboratoriais. E, contudo, qualquer médico bem formado é capaz de fornecer diagnósticos elementares, tirando conclusões de uma conversa de quem sabe perguntar e sobretudo ouvir. Não terá chegado a hora de retomarmos os médicos de família, o saudoso clínico geral?
* Correio do Sul (Criciúma, SC)
Comments