(Essa matéria foi escolhida pela Secretaria de Educação do Paraná como A MELHOR REPORTAGEM SOBRE EDUCAÇÃO do ano de 1962, dando o autor um prêmio em dinheiro que lhe permitiu adquirir sua primeira máquina datilográfica, uma Lettera 22).
Há três crimes que negam as verdades eternas: ignorar e não perguntas, saber e não ensinar, ensinar e não praticar.
A mais antiga das ciências – talvez depoimento de ser a mais importante – a escrita sempre preocupou as civilizações. Quer para registrar os fatos do presente, a memória do passado, ou a previsão do futuro, a escrita registra os problemas das gerações, para que estas se entendam entre si, e para que as próximas venham a compreendê-las.
Tão importante é a escrita, que se não fosse ela nós viveríamos ainda hoje, praticamente, na idade da pedra. E enquanto os cientistas não inventam o papel, nem o papiro, nem o couro como escriturável, ou a maquina, a caneta, o lápis, o carvão, o estilo, o granito, os nossos “historiadores” iam garafunhando nas paredes internas de suas cavernas, “decorando-as” e registrando normas de princípios, elaborando ainda um “diário” familiar.
Tão importante ainda, que a humanidade não suportou ver uma parte dos seus membros eternamente alheia à escrita: os cegos. E assim...fez-se o código Braille (em revelo, perfurando os papéis, que os cegos reconhecem pelo contato da mão).
Tão importante ainda, que se inventou o código MORSE, para que a escrita – transmitindo as informações e os acontecimentos – transponha os montes e vales, os rios e as florestas, os oceanos e os desertos.
Tão importante ainda, que as Constituições e Ordenações dos Países ditos civilizados, consideram a sua difusão obrigatória, crassando o analfabetismo de sua sociedade, dizendo que “O Ensino Primário é Obrigatório e Gratuito”.
Mas a importância, ainda que tanta, é sempre relativa. No Brasil, por exemplo. Onde se dá um aumento de 400 bilhões de cruzeiros aos seus funcionários públicos, reserva-se 10 bilhões para a “Revolução” do Ensino. Tristes, constrangedoramente tristes cifras. E é tão relativa a importância, e tão “letra morta” a Constituição, que o Código Eleitoral nega explicitamente o direito do voto ao analfabeto. Isto é, a Constituição diz que não haverá analfabetos; os Códigos (inclusive o Civil), criam dispositivos especiais ao analfabeto: um nega, o outro reconhece o analfabetismo. E como não reconhecer, apesar da beleza lingüística da Constituição, se temos 52% de analfabetos entre a nossa população.
PARANÁ
Há um movimento notadamente patriótico aqui. O “Movimento Estadual Contra o Analfabetismo” – MECA, que já conseguiu alfabetizar 10 mil paranaenses, com seus “cursos de emergência”.
POR QUÊ?
Em 1961, o Paraná tinha pouco mais de 4 milhões de habitantes, e 1.998.817 analfabetos (com idade superior a 8 anos). Em fins de 1963 teremos 5.600.000 habitantes e 2,5 milhões de analfabetos. Em 1964, 6,5 milhões de habitantes com 3,2 milhões de analfabetos. Ou seja: enquanto o MECA alfabetiza 40 mil pessoas, as crianças que não chegam a cursar a escola primária vão aumentando, somando umas 500 mil por ano. Ou seja: 1 alfabetizado pelo MECA contra 10 outros novos analfabetos. Um jamais atingirá o outro.
MANCHETES
“O Brasil está com mais de 73 milhões de habitantes”. “40 milhões estão com menos de 20 anos de idade”. “45 milhos vivem nas trevas do analfabetismo”. “100 mil jovens cursam a Universidade”. “O Ministério da Educação não conta com os 10% do Orçamento Federal, obrigatórios pela Constituição brasileira”. “O Paraná vai ter 5.600.000 habitantes até o fim do ano”. “O Paraná tem 2,5 milhões de analfabetos”. “Curitiba, a Cidade Universitária, tem 30,37% de analfabetos, com mais de 8 anos de idade”. “Governo brasileiro cria o “Movimento Nacional Contra o Analfabetismo”. “MECA instalado solenemente”. “MECA instala 241 cursos de emergência”. “Matriculados 30 mil paranaenses na MECA”. “ MECA diploma 10 mil ex-analfabetos”. E as manchetes continuarão. Mas quando virá aquela manchete que todos pedem: “Brasil sem analfabetos”?
JAPÃO
O Japão perdeu a Guerra. Mantido no posto o seu Imperador, considerado “sagrado” pelos nipônicos. O governo legalista lança um apelo: cada japonês alfabetizado deve ensinar um japonês analfabeto a ler e escrever. Em 2 anos o Japão não tinha mais analfabetos.
AMÉRICA LATINA
Informa a Organização das Nações Unidas: “mais de 50% das populações que vivem nos países da América Central e do Sul vivem em condições de pleno analfabetismo, enquanto 25% restante é semi-analfabeto. Serão necessários milhões e milhões de dólares, para em 10 anos alfabetizar suas massas”.
CUBA
Presidente: Fulgêncio Batista (ditador). População – pouco mais de 10 milhões. Analfabetos – 23%. Ano – 1958.
Presidente: Miguel Torrado (nomeado por Fidel Castro). População – quase 11 milhões. Analfabetos – 3%. Ano – 1962 (Ano da Alfabetização cubana). Despesas para alfabetizar os 20%: nenhuma. Motivação: o governo revolucionário fecha por um ano as Universidades e Escolas Secundárias, decreta promoção, e conclama a juventude a alfabetizar o país. Formando-se os “Exércitos de Alfabetização”, com hinos e bandeiras próprios. Em um ano, sem nenhum gasto, fez-se o que a ONU fixaria em 10 anos, de graça orçado em milhões de dólares.
CONSEGUIRÁ?
Não: O MECA não conseguirá alfabetizar o Estado, se continuar dependendo de campanhas tímidas, e sem recursos. Num ambiente revolucionário, onde as massas pensantes vivessem o burburinho de dias melhores, a alfabetização em larga escala seria atingível.
Nós propusemos fazer uma análise severa do movimento. Não negamos – e seria crime – a influencia ponderável do MECA. Alfabetizando uma media de 40 mil pessoas por ano, o MECA vai cumprindo uma finalidade prática. Mas não atingirá, nos moldes atuais, a plena extinção da chaga social.
O QUE FAZER?
Se for um estudo crítico, vamos torná-lo positivo. O que fazer, para extinguir-se o analfabetismo. Dividamos a solução em duas fases:
1 – ESCOLAS – “nenhuma criança sem escola” deve ser o lema de todo governante. Obrigar os pais, com ameaça de não permitir-lhe emprego, ou cominando-lhe sanções penais a matricular seus filhos – aliás, como se faz com os funcionários públicos. Mas antes de obrigar, vamos dar condições. Salas de aula – professoras bem remuneradas (para a profissão tornar-se atraente) – merenda escolar (para atrair a criança que em casa sofre privações).
2 – CURSOS DE EMERGÊNCIA – o MECA deve continuar sua meritória campanha, porém ativando-a e renovando-a ampliando suas dependências, seus funcionários, seu material didático, suas verbas e incentivando os seus “soldados de alfabetização”.
3 – CRIAR CURSOS PERMANENTES – nas fábricas, no interior e na cidade, nos campos e nas vilas. Obrigar as empresas com mais de 100 funcionários, manter as escolas, aliás, como manda a lei.
4 – PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES – o estudante, via de regra, tem o curso gratuito mantido pela União, e alimentos fornecidos pelo Estado. Enquanto ele consome o povo trabalha. Sua participação na luta da alfabetização não deve ser encarada meramente como “contribuição” ou voluntária. Deve ser obrigatória. Os Diretórios, as Entidades, os jovens – em grupo ou isoladamente – são obrigados por dever de consciência e patriotismo, a engrossar as fileiras do grande exercito salvador, aquele que vai alfabetizar.
Criadas assim essas condições de trabalho – Escolas – Cursos de Emergências e Permanentes – Participação do Povo e Camadas Alfabetizadas, o Paraná (e o Brasil) conseguirá acabar com a grande chaga social, e ascender aos cegos das letras, a promissora e suave luz da alfabetização.
O incentivo à leitura, que começa na aula e continua no lar, deve ter a reversibilidade do incentivo ao estudo, que começa no lar e se realiza na escola.
Mas a criança que não atinge a escola – eis a principal meta de alfabetização. Há que ser práticos: os adultos já constituem uma classe alienada da sociedade. Porém a criança sem escola sofre uma discriminação odiosa por um erro social da qual é conseqüência.
O ESTADO DO PARANÁ (Curitiba, 17 de julho de 1963)
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