Yeda de meu Deus Quando entrevistei Yeda Maria Vargas, então uma despretensiosa Miss Brasil, que se dirigia a Porto Alegre, onde seria alvo de profundas homenagens, eu deveria fazer-lhe, entre outras, a clássica pergunta: “Qual o seu autor preferido?”. Não fiz a pergunta, embora ela estivesse anotada. Por certo Yeda teria respondido que “gosta dos clássicos”, e que por sinal, seria uma clássica saída, para essas emergências. Não porque eu não creia que Yeda não tenha lido uma Eneida, de Virgilio; ou uma A Cidade de Deus, de Agostinho; ou uma Odisseia, de Homero; ou um Paraíso Perdido, de Milton; ou Os Lusíadas, de Camões; ou A Utopia, de Mórus; ou ainda um D. Quixote de la Mancha, de Cervantes. Mas, convenhamos: seria uma boa resposta. E se insistíssemos na pergunta, por certo ainda que a gauchinha de 18 anos respondesse que prefere os clássicos russos (Gorki, Dostoievski, Tolstoi, Gogol, Leontiev) ou portugueses (Herculano, Vieira, Eça, Camilo), ou mesmo brasileiros (desde Frei Luis de Souza a Jorge Amado – quatro séculos de clássica tentativa). Mas é preferível ver-se uma Yeda fazendo ginástica maquilando-se ou mesmo dando alentos ao velho e gasto sol numa praia qualquer, a vê-la de óculos entregar-se a um passatempo, um tanto esdrúxulo para uma Miss. Embora eu não chegasse a formular a clássica pergunta, peço assim mesmo perdão pela veleidade de pretensão, e que desculpo a vulgaridade de resposta que você, Yeda, não chegou a dar.
UM CASO
Contaram-me certa vez essa história de Miss e do que elas leem. Aconteceu numa cidade brasileira qualquer. Conto o milagre, mas o santo pode ser qualquer um, pois o caso não é raro. A uma candidata a Miss, fizeram-lhe a pergunta título. Na sua ingenuidade (e porque não admirar a simplicidade que é mais digna de louvor?), respondeu a pretensa Miss: “Para falar a verdade, não costumo ler obras de autores famosos. Leio mais revistas fotográficas e em quadrinhos”. A entrevista esclareça- se em tempo, era na residência de um Society qualquer. Presentes, jornalista, promotores do concurso, os juizes e o próprio Society local. Ninguém dos presentes pôde abafar por muito e rizinho clínico à resposta bomba. Inclusive a outra candidata. Quando a esta foi feita a pergunta clássica, respondeu já subjetivamente preparada pela receptividade à resposta de sua única adversária: José de Alencar, Poe, Stevenson, Sartre, Zweig e outros. É verdade, cumpre dizer, que a resposta, desta vez, impressionou. Até determinado momento. Foi quando um gaiato perguntou qual a obra de José de Alencar que mais lhe impressionara. Ela embasbacou, mas com o espírito livre, jogou: Diversas obras suas me impressionaram. Por exemplo, insistiram outros. Ela: Bem... para falar a verdade... não posso... assim de repente... citar quais... as... Uma apreensão geral acompanhou o nervosismo da a Miss. Malfadadamente alguém lhe sugere: Mas, querida, você disse ter adorado “A Mão e a Luva”... Mais segura de si, então, aquela que não viria a ser Miss exclamou: Bem, “A Mãe e a Luva” eu gostei, mas achei-o muito cheio de intrigas e maldades (coitada! Decerto pensou fosse romance de capa e espada). Acontece que entre os presentes, por coincidência, havia leitores de Alencar... e Machado de Assis. Um desses não pode deixar de esclarecer o lamentável equívoco: A Mão e a Luva é de Assis. A que lia história em quadrinhos foi eleita representante a Miss no concurso estadual.
UM FATO
Não foi apenas uma vez que tive oportunidade de ouvir casos semelhantes. Na profissão, é comum escutar-se que “pois não é que eu fiz a clássica pergunta à J... e ela nem sabia nome de autores: Sugeri-lhe vários, mas mesmo assim ela não sabia nem repeti-los?” E como é agradavelmente verdade, tudo isso. Uma carinha bonita e que se preze, dificilmente queimaria as pestanas num Veríssimo, ou num Sinclair Lewis. Prefere ver seu próprio rosto no espelho, ou vê-lo refletido na contemplação alheia. TRÊS HISTÓRIAS CERTA VEZ Einstein, que então lecionava numa pequena Universidade Ianque, foi abordado meio às suas leituras, na rua, por um seu aluno. Este queria não sei o que sobre problemas ligados à relatividade; queria umas explicações. O sábio procurou então sintetizar a explicação, e gastou uns quinze minutos. O estudante, grato, ia se despedindo, quando o ganhador do Prêmio Nobel perguntou-lhe: Quando você me interrompeu, em que direção eu caminhava? (Einstein o havia esquecido). Meio surpreso – embora já conhecendo de sobra as lendas sobre a distração do descobridor do uso do quanta e do fatum – esclareceu: Para lá indicando-lhe o caminho para a Universidade. Ao que Einstein exclamou: Ah! bom, então eu já almocei.
CERTA VEZ era carnaval. O sujeito, meu professor. Contou-me: Ontem aconteceu-me algo um tanto engraçado, curioso até. Hoje eu me levantei com um pé descalço e o outro calçado. Estava sem camisa e com calças. Rapaz, não há jeito de me lembrar se eu estava me calçando preparando para sair, quando readormeci, ou me descalçando, apontando-me para deitar, quando peguei no sono. O pior é que não consigo me lembrar de nada. Você, por acaso, não me viu ontem à noite na rua? CERTA VEZ perguntaram a determinada Miss Brasil (por que essa maldade em saber de que ano, e identificá-la? Deixemo- la na obscuridade. Afinal, nem chegou a ser Miss U.) se ela gostava de Shostakovich. Ela: Na verdade, só li uma ou duas obras desse autor russo, e há muito tempo, e não recordo quais os nomes (sic). Shostakovich é um moderno compositor e pianista russo. Pior do que esta, só aquela do Society: “Madama aprecia Stravinsky?” “Sim, aceito um pedacinho” – pensando que se tratava dos salgados que a interlocutora tinha nas mãos.
É FEIO
Sim. É feio. A pergunta também. Mas a verdade é que uma Miss é obrigada, pelas circunstâncias a decorar autores e obras, como nos tempos do colégio, para responder que os lera, antes ao professor, agora ao repórter. Mas a resposta, vamos e venhamos, interessará a muita pouca gente. A cultura de uma moça pode ser medida pelo que leu ou deixou de ler. Mas pelo contesto geral, no que responde, diz e pensa. Por que leu e como leu. A resposta a uma pergunta desse gênero deveria ser mais ou menos assim: não tenho autores preferidos. Um autor não é compositor, ou cantor, que nos sirva para determinado momento de espírito, para certo estado d´alma. O escritor é diferente: Ele transcreve toda a sua experiência, e não o sentimento, na sua obra principal, geralmente denominada obra prima. Ter um autor preferido é assim como ter apenas uma muda de roupa preferida. Por menos que a usemos, ela envelhecerá. Um escritor nunca terá tantas obras cuja leitura não se esgote. Nem uma obra prima tão profunda que cuja leitura repetida não caceteie, caceteie. Mas para uma pergunta vulgar, uma resposta vulgar: esqueci a resposta em casa (aliás, foi o que determinada Miss, representando uma certa cidade, cujo nome não cito para que não seja vítima de receber satisfações quando voltar ali, num concurso estadual, respondeu a um entrevistador: não posso dar a entrevista que você me pede, porque esqueci-a em casa – as resposta, por Deus).
SUGESTÕES
Qualquer livraria deverá ter um catálogo onde a Miss escolherá os seus autores preferidos, e suas obras principais. As boas enciclopédias também possuem relação, embora mais incompleta. Por sinal, muitos nomes de autores aqui citados retirei-os de uma enciclopédia que está aqui, ao meu alcance...
*Estado do Paraná 1963
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