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Vanio Coelho

VANIO COELHO

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O minas aprende a voar




Os esquadrões da P-16 sobrevoam atentamente os céus à procura do inimigo. A qualquer momento lançarão seus torpedos. À noite, quando as condições se tornam mais propícias à ação dos submarinos, aviões Netuno, baseados em terra, vêm reforçar a vigilância. O porta-aviões Minas Gerais, comandando a Força Tarefa Brasileira, está em ação. A bordo, dois repórteres de F&F acompanham os exercícios de treinamento (Operação V-2) e observam como ficou resolvido, na prática, o impasse Marinha X Aeronáutica no caso da aviação embarcada. O autor, entre seus fotógrafos, a bordo do porta-aviões Minas Gerais, em 1966.


06:00 HORAS Base Aérea de Santa Cruz. Dois aparelhos P-16 deixam o campo de treinamento da Força Aérea e se lançam em direção ao Atlântico. Num ponto qualquer da costa brasileira, à sua espera, está o porta-aviões Minas Gerais pronto para iniciar os exercícios do dia. Tempo bom; ventos do quadrante norte com 70 nós de intensidade. Alfa 11... Operação U-2... Todos a postos... Preparar postos de voo... Tempo bom... Visibilidade moderada... Ser acordado às 6 da manhã, escutando, onde quer que se esteja, os avisos intermitentes e claros, pelos 70 alto-falantes disseminados por todo o navio, é o começo do que se chama “rotina a bordo”, mas, para os marinheiros, é faxina. Na véspera, fomos apresentados ao Comandante Eddy Sampaio Espellet, que nos deu as boas-vindas e nos isentou de cumprir a rotina militar. Mas, se nos atrasássemos para o rancho, perderíamos uma das mais importantes e bem coordenadas missões do Minas: o lançamento de seus aviões anti-submarinos, os potentes e modernos P-16.


06:30 HORAS A l f a 11 . . . Abastecimento de aeronaves... É proibido fumar em todos os conveses a boreste... Instalados no local de segurança da pista de voo, usando camisas especiais de observadores, escutamos as ordens lacônicas da Torre de Controle de Voo. Tudo no Minas é feito na base das comunicações por alto-falantes. Mesmo quando partimos, no dia anterior, não pudemos evitar certo contágio, ao ouvirmos os hinos da Marinha, enquanto o Minas içava âncoras. Estamos agora prontos para assistir aos exercícios das unidades da Marinha e Aeronáutica, que integram a aviação embarcada. Isso, contudo, não é a única tarefa do nosso porta-aviões. Pois competem ao Minas, como núcleo da Força-Tarefa, missões de abastecimento, controle, salvamento, etc. Nele está acomodado o comandante do Grupo-Tarefa, o Almirante Mário Geraldo F. Braga., mas, sendo específica a função anti- submarino, é nessa missão que está a essência da aviação embarcada. Alfa 11... Briefing às 7 horas... Os alto-falantes voltam a espalhar ordens, relativas à principal atividade do Minas: a utilização de suas aeronaves. Na véspera, o chefe do Departamento de Operações, o Capitão-de-Fragata Paulo Freire, havia distribuído o programa diário de voo.


07:00 HORAS Sob o convés do voo fica uma das salas onde os pilotos se reúnem em seu briefing, fazendo a reunião preparatória. Como líder de esquadrão, o Tenente-Coronel Aviador Carvalho dá as instruções, preparadas com antecedência. Todos os tripulantes - comandantes pilotos e operadores - vestem seus macacões alaranjados. Nos cabides estão guardados os capacetes pressurizados. A reunião começa. Primeiro, vamos ter duas esquadrilhas, que sobrevoarão o Minas como esquadrão, para efeito de fotografias. A seguir, as seis unidades se separarão para cumprir uma missão: localizar submarinos inimigos denunciados na costa brasileira. “Um bom voo” deseja o comandante do esquadrão. Alfa 11... Atenção para o toque à bandeira... Alfa é o “nome de guerra” dos Minas Gerais: um navio de classe ligeira (Nae L) e o mais moderno, adquirido da Inglaterra em dezembro de 1956. Foi incorporado à Marinha do Brasil em 1960, após reparos e modernização em estaleiros holandeses. Existem outros cinco de sua classe, inclusive um argentino Brasil e Argentina são os dois únicos países do Atlântico Sul a terem porta- aviões.


07:15 HORAS Atende convés de voo... Experiência com sinais de alarme... Crashe... Gongo de advertência... Farois rotativos... Luz Vermelha... Luz Verde... Terminada a experiência... Sentimos a voz clara e forte do Comandante Ornellas, tratando seus aviões com o mesmo carinho que um pai dedica ao filho. Seus auxiliares devem estar sempre a postos, para qualquer emergência. Nenhuma falha é desculpada, pois pode vir a ser fatal a um avião.


07:20 HORAS A bordo do “7.020”, o Capitão Pinheiro conversa com seu piloto, Tenente Pedrosa. Há 90 eles estão no ar, junto com o “7.017”, em direção ao Minas Gerais. Acham que é momento de entrar em contato com o navio, pedindo posição, pois ainda não o captaram no radar. Fazem sinal aos operadores, e o Primeiro-Sargento Florival responde com o polegar: Afirmativo. Pelo rádio, inicia-se o contato com a Torre do Minas (em código é “Madrid”): Aqui Albatroz 7.020... Alô, Madrid... Informar sua posição... A resposta do Comandante Ornellas não tarda: Aqui Madrid... Entendido, Albatroz 20... Mudar para frequência do COA... As instruções do Centro de Operações Aéreas são rápidas e imediatamente transmitidas ao avião: Atenção posição... 41 graus oeste... 25 graus sul... Marcando Albatroz 20 aos 330 graus magnéticos... CÂMBIO. Ciente - responde de qualquer parte do céu, o “7.020”.




07:30 HORAS antes de cada decolagem ou posto, é colocado no ar um helicóptero S-55 (Westland-Wirlwind), que leva a bordo socorros de emergência e mergulhadores, para o caso de acidente com avião em manobras. Tem missão de verdadeiro anjo, e os marujos de todos os países o chama de “Pedro”. Novamente ouvimos a voz clara da Torre de Voo: Atenção, convés de voo... Verificar calços, peias, extintores e objetos soltos no convés... Baixar óculos... Clarear dos rotores... Descarga dos motores... Preparar para virar rotores... Atenção: VIRAR ROTORES... Somos então chamados ao Centro de Informações de Combate, onde se encontram radares do navio. O Tenente Ramirez nos informa: Já localizamos o “7.020” no radar. Quer ver? Na sala de operações, só de relance contamos 8 radares, fora os quadros de plotagem, luzes vermelhas e verdes, amarelas etc. O calor era demais, e preferimos o tijupá (parte mais alta da “ilha” do navio), donde se tem visão completa da pista de voo. O pouso é, para os pilotos, a operação mais delicada. O avião estará a uma velocidade de 85 nós (cerca de 153 km por hora), e o navio move-se para a frente a 20 nós (aproximadamente, 36 km por hora). Além disso, o porta-aviões joga de um lado para outro. Para facilitar o pouso, o navio é dotado de um grande espelho, com um sistema de luzes que permite ao piloto pôr-se no mesmo prumo do navio, dispensando os antigos oficiais de sinalização. Seis cabos de aço, no começo da pista, servem para segurar o avião, no pouso: este, ao baixar, solta um gancho sob sua cauda, que se engatará num dos seis cabos de aço. O avião então não precisará de mais do que 40 metros de pista. Mas, se o processo falhar, ele dispõe ainda de mais de 100 para arremeter novamente.


07:40 HORAS Atenção, convés de voo... Preparar pouso de um avião... Pouso final... O “7.020” e outro aparelho são agora visíveis por todos nós, ao sobrevoarem o Minas. Os aparelhos vêm descendo um “degrau” em cada volta, o anterior ocupando sempre a rota do primeiro: 200 metros, 150, 100. Falando já no “Tráfego Delta” com “Madrid”, o “7.020” pede instruções finais, que vem céleres pelo rádio da Torre: Afirmativo Albatroz 020... Instruções para pouso... Vento no convés 350/30 nós... Ajuste altímetro 1.019. 9/30.12... Vento real 070/80... Rumo de recolhimento 110 magnéticos... Plano de pouso aprovado... Delta 2.000 pés... Acusar no Delta... Câmbio... Do “7.020” o Comandante Pinheiro responde: Aqui, Albatroz 7.020... Entendido... Vamos baixar... O avião guina na proa norte; agora está a oeste, bem em frente à Torre. Toma a posição sul, que é contra o vento, onde ficam a popa do navio e o começo da pista. Mas, quando vai pousar, sente-se deslocado no espelho de segurança do navio, dá um toque e arremete novamente, sem engatar o gancho. Mais tarde, vendo as filmagens do pouso incompleto (todas essas operações são filmadas), os pilotos perceberiam que o navio jogara um pouco, e a nova tentativa foi uma decisão acertada.


08:00 HORAS M a 1 a Torre de Voo anuncia i recolhimento do “Pedro”, verifica-se que o helicóptero tem alguma avaria. Sua posição, a boreste do navio, era de 50 metros sobre o nível do mar, mas agora está perdendo altura. Há alguma pane no S-55 do Comandante Louzada, e a Torre de Voo dá o sinal característico de emergência. As pás do helicóptero quase roçam as ondas infestadas de tubarões. Mas o piloto consegue safar-se, ganhando altura, dirige-se à pista do Minas pousando no spot quatro. Sentimos, em todos, alívio e ouvimos o murmúrio, que se mistura ao vento cortante do convés. Resolvo troçar com o piloto para desanuviar o ambiente: “Então, Comandante, quase que seu almoço ia ser de pílulas concentradas, hein?” (Os pilotos da Marinha trazem sempre consigo, além do salva- vidas, instrumentos de sinalização, revólveres e facões, alimentos concentrados.) “Está brincando, rapaz?” - responde o Comandante Louzada, sorrindo. “Lá de cima, a única coisa que a gente vê são os tubarões, cá embaixo, de guardanapo, garfo e faca, à nossa espera. Negativo.” Os pilotos de helicópteros são treinados pela Marinha, em sua base aérea de São Pedro de Aldeia, e a linguagem é comum à dos oficiais embarcados.


08:05 HORAS Estamos agora no convés do Minas, que possui uma pista de 206 metros, conjugada com outra, menor, em sentido angular, de 145 metros. Tal sistema, de pista angular, permite que os aviões pousem mesmo com a pista maior ocupada. Após decolarem dois helicópteros a jato, tipo SH-A (Wasp), um para fazer o papel de “Pedro” e outro para ser usado nas manobras táticas, chamado de “Samba”, os alto-falantes anunciam que os aviões serão retirados do hangar, que fica sob a pista. Dois enormes elevadores, com mais de 150 m² são acionados, hidraulicamente, trazendo para a pisca os P-16. Esse hangar é tão grande que, quando desinterditado, permite que a guarnição do navio jogue futebol, basquete, e projete filmes... tudo ao mesmo tempo. Normalmente comporta 16 aviões grandes ou 30 pequenos, além dos helicópteros.


08:15 HORAS Atenção convés de voo... Preparar catapulta... Sendo um porta-aviões destinado a operar em qualquer condição de tempo, o Minas é dotado de uma catapulta movida a vapor, que permite lançar um avião, de sete a dez toneladas, com apenas 50 metros de pista, imprimindo-lhe uma velocidade final de 145 km por hora. Mas é comum o uso da pista grande, de 206 metros, que dispensa a catapulta. Pois esta, com o vapor, consome muita água, necessária em outros setores do navio. O Minas Gerais destila sua própria água, retirando-a do mar. Suas máquinas conseguem dessalinizar sete toneladas de água por hora, suprindo todas as unidades da Força-Tarefa. Já dentro do “7.021”, o Comandante Yale corre a lista de inspeção, junto com o Tenente Lopes, seu piloto, além dos Sargentos Casemiro e Cosme, operadores, todos da Força Aérea. As instruções parecem cair na rotina, mas são necessárias: “Bomba hidráulica de mão?” - Fechada. “Avisos de fogo?” - Positivo. “Rádio?” - Funcionando. “Combustível?” - 600 galões. “Ligar motor um.” - Afirmativo. “ligar motor dois.” - Afirmativo. “Baixar asas.” - Afirmativo. “Contato com a Torre?” - Positivo. Alô, Torre, aqui Albatroz 7.021... Informe como está recebendo. - Aqui Madrid... Ouço claro e forte... Dirija-se ao spot 3... Você vai ser catapultado... Câmbio... E assim prosseguem as comunicações. Os p-16, apesar de grandes, não comportam mais de 4 tripulantes - pois devem transportar bombas de profundidade, foguetes e torpedos contra submarinos. Pela catapulta, ou decolando na pista, lá se vão os aparelhos - Major Drumond no “7.014”, Major Vasconcelos no “7.016”, Capitão Assis no “7.023”, Capitão Acioly no “7.025”, Capitão Osmar no “7.024”.


09:00 HORAS Alfa 11... Contato com submarino inimigo... Preparar Operação U-2... Todos em postos de combate... O aviso lacônico parece deixar todos com uma febre de atividade. Imediatamente, marinheiros ocupam os 10 canhões AA de 40 mm. A surpresa despertou mais uma vez nossa curiosidade sobre a misteriosa Operação U-2, já anunciada pela manhã para esse dia. Submarinos inimigos teriam sido percebidos nas proximidades, e os aviões vasculhavam as águas próximas, localizando-os. O helicóptero a jato, com seu sonar portátil, vai de área em área, visando melhor localizar o inimigo. Os aviões se puderem, destruirão o inimigo, ou solicitarão instruções ao Centro de Informações de Combate ou Centro de Operações Aéreas, através do canal tático de fonia. Preparados com seus torpedos, dois CT da Marinha de Guerra são destacados para a área de combate; demais se aproximam do Minas, dando-lhe cobertura e se preparando ativamente para as operações de caça e destruição, que poderão desenvolver-se por muitas horas ou mesmo dias.





16:00 HORAS à tarde a operação, fora encerrada, e os aparelhos retornam ao navio aeródromo. Dão trocados turnos de serviço, e os pilotos da FAB, na sala do briefing, assistem à projeção de suas decolagens e pousos. Noutro local, o Departamento de Operações faz uma análise crítica do exercício. No bar do navio, oficiais repousam, jogando xadrez ou dominó, e os alto-falantes da rede de recreação divulgam músicas, emitidas por emissoras do Rio de Janeiro (pois agora estamos na costa de Cabo Frio). Uma das primeiras preocupações de quem está a bordo, ou que se interessa pelo Minas, é saber como se solucionou o impasse Marinha x Aeronáutica para a aviação embarcada. A decisão final do presidente da República refere-se a uma cooperação mútua, a um entrosamento íntimo, uma operação mista, mas completamente integrada: a Marinha é encarregada de guardar, planejar a tática, abastecer, suprir de armamentos e dar alojamento ao pessoal da FAB. Esta, por sua vez, fornece pilotos para dirigir os aparelhos, conforme as necessidades do Departamento de Operações do Minas, dentro do esquema da Força-Tarefa. No caso dos P-16, a Marinha encarrega- se de utilizá-los de acordo com seus planos, mas são pilotados pela Aeronáutica. Isso cria ressentimentos entre oficiais das duas forças armadas? É possível. Nos sete dias que passamos a bordo do Minas Gerais, nas operações preparatórias para a Unitas de novembro, verificamos, entretanto, a cordialidade constante e a cooperação bem aproveitada. Todos são tratados com a mesma regalia que a hierarquia militar permite, e as operações resultam sempre em completo êxito. Se há descontentamentos, este é muito bem dissimulado. Pelo que pudemos comprovar, a decisão presidencial é acatada, e as duas forças vem desenvolvendo seus planos em conjunto, o que criou um modus vivendi talvez original, mas que deu bons resultados. Dos 130 oficiais e 1.000 marinheiros, fuzileiros e soldados da FAB a bordo, cerca de 300 (desses, 20% são da Aeronáutica) dedicam-se apenas às aeronaves.


18:30 HORAS Todos estão agora à espera do jantar, a rotina mais requintada: militares ou civis devem usar gravata. Depois do jantar, são projetados filmes para oficiais e, noutro local, para a guarnição em geral. Os filmes são antigos, mas de boa qualidade (O julgamento do Capitão Dreyfus foi aplaudido de pé).


Às 21h30m, os alto-falantes darão as últimas instruções da noite e, depois, calarão. Essa ordem é a mais sucinta de todas: Alfa 11... Silêncio. E o silêncio cai no navio, que navega a pequena velocidade, velado por pequenos grupos em serviço de plantão. Mas os exercícios táticos prosseguem noite adentro como as comunicações, as medidas eletrônicas e a cobertura aérea, esta feita pelos P-15 (Netunos), com base em terra. No dia seguinte, quando forem novamente seis horas, os alto-falantes nos tirarão dos confortáveis beliches de oficiais, e a faina diurna recomeçará. Para, conforme diz o manual de bordo, "a defesa e a tranqüilidade do hemisfério sul".


*FATOS E FOTOS. Brasília, 22 de outubro de 1966

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