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Vanio Coelho

VANIO COELHO

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Adeus à uma amiga descasada

Por quais parâmetros se pauta uma vida? Quem segura as pontas de uma opção até o fim, contra a vontade, a vida pública sufoca a vida pessoal? Que estranho desígnio cobra do sucesso a exaustão emocional? Nem todo mundo é Roberto Carlos ou Nara Leão, que conseguem colocar a vida particular protegida da maldade e da bisbilhotice agressiva. O mundo artístico está mais para Marylin Monroe e Judy Garland que, como Carmem Miranda, passaram a viver o mito e, não suportando o preço, morreram na plenitude da carreira, mas com a alma totalmente esvaziada, como se a felicidade fosse o combustível que alimenta a ambição. Ellis Regina quis dar uma de Regina Duarte - ter duas vidas públicas, a social e a profissional - mas não tinha estrutura. Até seu divórcio litigioso foi público como fora o de Dalva de Oliveira e Herivelto Martins. “Tenho pânico da solidão. Pago caro o preço da liberdade”, desabafou um dia.


Enquanto Regina Duarte tinha estrutura para ser mãe descasada, Ellis teve de suportar dois casamentos, Ronaldo Bóscoli e Cesar Camargo, que só deixaram marcas e filhos. “Pimentinha”. Mau caráter? Não, explosiva. Vinnicius a chamava de “Às vezes me acho uma porcaria. E se não trabalhasse, ficaria louca, mataria alguém”. Conheci Ellis em 1965. Ela explodira no Festival da Canção na Record com a música “Arrastão”, de Edu Lobo. Eu era repórter da Manchete e tinha sido destacado para cobrir seu estreante show no Porão 83, no Rio. “Ela fechava os olhos, respirava fundo, esquecia todo o resto e mandava ver. Para isso estudou esgrima”. Essa primeira reportagem (“A Menina de Ouro” - ver pág.137) nos aproximaria numa amizade meio intelectual, desenvolvida em outras entrevistas. Em “Ellis, o fino da volta” ( ver pág.143) registrei o apoio que ela vinha dando à música brasileira, numa reação a Roberto Carlos e à explosão do iê-iê-iê. Eram os tempos dos novos (1966) Gilberto Gil (com Lunik 9), Maísa, Chico Buarque, Ciro e o eterno amigo Jair Rodrigues. Já então abandonara a terrível peruca que a engordava. Também não disfarçava mais a pequena estatura e passaria a usar um corte de cabelo simples de cabelo, uma falsa displicência. A encontraria novamente mais madura ainda em “A Cara do Protesto” (ver pág. 141). Já mais confiante nas pessoas (havia dispensado sua fiel escudeira Zenira), mais dócil, ela se abrira em três tempos. “Eu tenho o prazer de me danar e de me recompor sozinha. Não preciso de muletas”. “Minha maior concessão na vida? Gravar um bolero italiano (Poema) obrigada por um contrato mal feito”. “Estou sendo patrulhada pela direita. A Coca-Cola retirou o patrocínio de meu programa pelo apoio que dou a esses compositores de protesto”. Seus amigos agora eram o Edu Lobo, o Téo, a Maria Bethânia, Vinnicius...


Aqui houve um interregno: ela casou-se com Ronaldo Bôscoli, eu deixei o jornalismo diário e fui estudar em Paris. Nesse período o jornalista Volnei Bez, com uma estranha lucidez, através da psicografia, registrou vários diálogos com a cantora, publicados em forma de artigos num jornal de Tubarão. Consagrada então como cantora de nível internacional (Zza-Zza Gabor quis levá-la para os States, depois de conhecê-la num show de Carlos Machado no Copacabana Pálace), iria fatalmente percorrer a trilha que hipnotiza todo artista brasileiro: apresentar-se no Olympia de Paris. Aí a reencontrei. Seu casamento já tinha ido para o espaço. E como acontece sempre, quando a retaguarda não dá paz e tranquilidade, quem não fracassa na linha de frente? Essa passagem de Ellis por Paris não foi nada glorificante. “A paixão move o mundo. Eu não entendo e talvez vá morrer sem entender as pessoas. Minha vida vinha se desfazendo há muito tempo”. Aqui ela passou a ser patrulhada pelas esquerdas. Cobravam dela por ter cantado num show da Revolução, no Maracanã, à época do governo Médici. “Sim, eu fui lá cantar. Tinha medo. Mas eu pergunto: onde estavam os outros 90 milhões de brasileiros?” Com que direito o desconhecido se interpõe, cortando uma vida tão jovem? Onde estava a mão forte do destino, que não segurou aquela mãozinha frágil que levou ao organismo a droga mortal? Ellis morreu dia 19, vítima de uma parada cardíaca, por consumo de droga com wiskie. Descasada, antipatizada (mas ainda a MELHOR CANTORA BRASILEIRA), sozinha, aos 36 anos. “Tenho pânico da solidão!”. Mas quem não tem, amiga?


Jornal Cobertura - Florianópolis


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