
No começo era apenas o mar e eu: entre o oceano e a casa de meu pai só tinha a vegetação típica de areia, as dunas e o marulhar das águas. Aí vieram os homens e construíram o primeiro quiosque; não liguei, pois ali se comprava gasosa, chiclete e picolé. Depois plantaram algumas casuarinas: gostei, afinal quebrava a monotonia daquele horizonte sem fim. E como não reclamei, construíram a primeira avenida, na verdade uma ruela por onde passavam alguns carros, cuidadosamente, evitando atolar na areia. Achava divertido, acreditava que era o famoso progresso. Depois passaram a construir casa de alvenaria do lado de cá da ruela: casas baixas, de um só pavimento mas com laje no lugar de telhado. Como ninguém protestou, cada proprietário foi aumentando para cima seu casebre, e começaram a surgir prédios de 2 e 3 andares. Daí para começar a construir do outro lado, entre a ruela e o mar, foi só aparecer o primeiro: os demais vieram com a fome e a volúpia com que os lobos se atracam ao animal ferido. Não ligava, pois então eu estava descobrindo novos valores como o futebol no morro, os jogos oficiais de domingo, o microfone, a narração esportiva, o jornalismo... Muita adrenalina para um guri de 12 anos, que nem sabia o que era mata atlântica, dunas, meio ambiente, preservação de espécies.
Que atire a primeira pedra quem nunca caçou coleirinho e canário ou atirou em pomba rola e quero-quero. E agora, ao rever a casa de minha infância, perdida entre espigões, viadutos, pontes, passarelas e lambadas eletrônicas, eu me pergunto: cadê o mar? Não que a casa de meu pai tenha se afastado ou o mar tenha ficado menor: é que entre os 2 espaços nada foi poupado pela fúria imobiliária. E ao vê-la assim tão desprotegida, sinto um amargor subindo pelo fígado e me cobro: onde estive esses anos que nada vi, nada disse, nada escutei? Ainda terei tempo de fazer alguma coisa por esta cidade-ilha?
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