Por volta de 1967, juntamente com Salim Miguel, procuramos Adolfo Bloch para publicar alguns quadros do Willy na MANCHETE, onde trabalhávamos. Cauteloso, Adolfo mandou ouvir seu crítico de arte, o temível Flávio de Aquino. Alguns dias depois tive a resposta através de José Valerim, responsável pela parte gráfica (Adolfo tinha o saudável vício de, em obras de arte impressas em off-set, utilizar até seis cores para ficar mais próximo da qualidade do quadro, onde o pintor cria incontáveis nuances).
Flávio de Aquino definiu Zumblick como “um grande retratista”, mas afirmou que a Manchete temia publicar reportagem de um único pintor catarinense com preterição de outros,, pois tal precedente podia gerar insuportável fila de pedidos, quando a finalidade maior da revista era o retrato em cores das notícias que foram manchetes na semana. Talvez se referisse àqueles mesmos artistas plásticos que formavam tremenda confraria, que tentou, inclusive grotescamente, interromper a mostra individual de Zumblick, no Palácio Cruz e Sousa. Nunca revelei isso ao Zumblick, pois a qualificação de “retratista”, apesar do qualificativo “ótimo”, me parecia uma capitis diminutio, uma classificação menor. Lembrando o grande escultor florentino Michelangelo, que se recusava a pintar, mas acabou criando uma obra eterna como teto da Capela Sistina, Zumblick nos legou extensa produção retratista que só agora, apreciando a sequência de retratos aqui selecionados, descubro a alta qualidade de retratista do “Pintor das Bandeiras” que Aquino percebera há mais de 30 anos. Não o “retratista” como então entendi, aquele pintor contratado por abastados para fixar no linho grosso da tela o rosto da filha debutante. Talvez mais perto daquele tal Leonardo, nascido em Vinci, com o desafiador sorriso enigmático de sua Mona Lisa que, realmente, não era a esposa de Franceso Del Giocondo, mas apenas uma doméstica. Nesse caso, o sorriso não seria mais do que um deboche da burguesia de Florença.
Em Zumblick, temos que ir muito além do retrato - perscrutar o sentimento do artista que tenta sempre ser entendido. Ao ver os quadros deste capítulo, procure a razão da angústia, da culpa, dor, ternura, amor, raiva, desgosto, agonia, amargura, ansiedade, consternação, desgosto, aflição, em cada quadro. E se conseguíssemos raspar as camadas de tinta, quem sabe encontraríamos outros sentimentos, dos quais o artista se arrependeu - o “pentimento” de que nos falava Lillian Hellman (À medida que o tempo passa a tinta velha, em uma tela, muitas vezes se torna transparente. Quando isso acontece, é possível ver em alguns quadros as linhas originais: através de um vestido de mulher surge uma árvore, uma criança dá lugar a um cachorro e um grande barco não está mais em mar aberto. Isso se chama pentimento porque o pintor se arrependeu, mudou de ideia. Talvez se pudesse dizer que a antiga concepção, substituída por uma imagem ulterior, é uma forma de ver, e ver de novo, mais tarde). Por isso, meu amigo, não me pergunte para quem olham os retratados de Zumblick: seus olhares vão muito além de seus retratos. A não ser que o artista esteja zombando de nós.
(Publicação: A ARTE DE ZUMBLICK-Livro)
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