top of page
Vanio Coelho

VANIO COELHO

Para acessar os textos do livro "Vento Sul - Velho Vento Vagabundo", escolha uma das opções abaixo!

Artigos & Reportagens: Bem-vindo
Artigos & Reportagens: Blog2
  • Foto do escritorVanio Coelho

Solidão também mata 

Quando Garrincha faleceu, há cerca de um ano, jornalistas desportivos redigiram lindas crônicas, lembrando acontecimentos, alguns sabidos, outros inéditos, ligados ao genial ponta-esquerda, morto no álcool e no abandono. Aquelas crônicas tinham umas com as outras um traço em comum: todos os jornalistas referiam-se ao ídolo caído como “meu amigo Garrinha”. Ney Bianchi, Cláudio Mello e Souza, Sandro Moreira, Luiz Carlos Barreto, Nilton Santos... onde estavam vocês, amigos fariseus, que permitiram que ele fosse levado como um passarinho? Amigos de anteontem? E, no entanto, foi a extrema solidão que o derrubou.


Dizem até que sua última esposa batia nele. Só e abandonado. Suas filhas, é verdade, sempre o amaram. Mas era aquele amor dolorido e silencioso, barrado pelo respeito que cria desnecessariamente algumas barreiras. E Garrincha tinha ainda a lhe remoer o remorso por haver abandonado Dona Nair e suas oito filhas pela cantora Elza Soares. Mas era uma mor que não ajudava como o impelia ao desencontro. Garrinha se tornara um inoportuno, virara um “pau de enchente”: não parava numa mesa, num lugar. Ouvia um pouquinho aqui, falava algo ali... Como um estranho no ninho de seus vizinhos, como um tronco que desce o rio na enchente. Daí o álcool, esse companheiro dileto, taciturno, que nada cobra, nada diz, nada lembra... Ainda se acreditava bom de bola. Tinha inveja de Pelé, de seu sucesso, de sua fama e fortuna. Com os ouvidos ainda zonzos pelos aplausos de até outro dia, não atinava compreender o vazio à sua porta. Frente à sua porta a grama crescia. Por isso o charlatanismo daquelas crônicas, imputando- se uma amizade oportunista em cima de um cadáver ainda quente e que agora, tardiamente, ninguém o queria morto.


Pois foi essa falsa amizade que o mimou, ninou e o levou a sentir, mais que ninguém a solidão. Separa-se um animal de seu bando e ele não comerá nem beberá, morrendo de inanição. Lembram-se dos negros africanos trazidos para o trabalho forçado, ou dos bugres “cristianizados” para abandonar seus hábitos e costumes. A mortandade era grande. Havia até uma doença específica - o banzo, uma saudade destrutiva, esse sentimento indescritível mas que nos assusta porque corroi, tal um carcimona, tal uma metástase. Pois quando o último amigo se despede na última porta do último bar que se fecha, não resta ao solitário outra saída que não o álcool. E este é o inicio do fim: beber sozinho.


CORREIO DO SUL-Criciúma-SET/1984.

4 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Vento Sul

Eis que surge o vento sul. Ataca por todos os lados, é frio, é grudento, é a prova de casaco, de lareira e de conhaque.

Eternamente Drumond

Alguns versos aqui publicados semana passada foram suficientes para que leitores atentos lembrasse que, vivo, Carlos Drumond de Andrade...

Muito além do rio

Aquelas arcadas eram suntuosas, mas nos pareciam assustadoras no primeiro dia da matrícula;

bottom of page